A morte não é uma ruptura súbita; é um processo silencioso que continua enquanto a vida ao redor
segue o seu curso. Poucas horas depois de um funeral, o choro que parecia interminável começa a ceder. A família volta para casa, atende quem precisa de atenção e tenta reorganizar os gestos comuns do dia. No cemitério, porém, o corpo recém-enterrado já encontra o seu destino natural, entregando-se aos organismos da terra.
Seis horas passam. Na mesa de jantar aparecem conversas triviais: esporte, notícias, política. É assim que a vida insiste em continuar. O corpo, quieto no solo, permanece na absoluta ausência de som, reflexo ou pensamento.
Nove horas depois, apenas os mais próximos permanecem. Lá fora, há abraços e consolo; aqui dentro, no profundo silêncio da sepultura, a temperatura do corpo arrefece lentamente.
Em vinte e quatro horas, alguém que ainda não soube da notícia liga ou envia uma mensagem, como se nada tivesse mudado. Mas lá, sob a terra, o processo de decomposição já começou.
Três dias depois, no trabalho, surge a inevitável busca por substituição — porque funções não esperam, calendários não param, compromissos não recuam. No túmulo, o corpo incha e a pele começa a tensionar.
Cinco dias depois, a rotina se reorganiza na casa da família. A dor permanece, mas se acomoda. O corpo, abaixo do chão, liquefaz-se por dentro e toma novas cores.
Duas semanas depois, começam conversas formais sobre inventário, responsabilidades, papéis. É o mundo prático exigindo sua continuidade. No mesmo tempo, dentes e unhas se desprendem na terra.
Três meses depois, alguém da família sorri diante da televisão. Não por esquecimento, mas porque o riso também é um instinto vital. Na sepultura, o corpo mistura-se lentamente ao solo.
Um ano depois, alguém visita o túmulo e sussurra: “Parece que foi ontem”. A mortalha já desaparece, e o ciclo segue seu curso.
Dois anos depois, o parceiro encontra outra pessoa e permite que a vida se rearrume. O amor não se apaga, mas aprende a coexistir com outros afetos. No túmulo, o corpo continua seu retorno à terra.
Três anos depois, os filhos sentem sua falta talvez mais do que nunca. Carregam o que aprenderam, mas já não podem ouvir sua voz. No solo, nada mais resta que um silêncio profundo.
Dez anos depois, um amigo encontra sua foto e, por um breve instante, o traz de volta à memória. Na sepultura, restam apenas ossos.
E então, um dia, todos aqueles que amaram você também se vão. Levantarão os olhos ao céu e pensarão por um momento no que foi vivido — enquanto você, em qualquer lugar onde habite agora, talvez já tenha compreendido que grande parte das preocupações que ocupavam a mente não tinha o peso que parecia carregar.
Não há intenção de provocar medo nesta reflexão. Há, sim, o convite para reconhecer a simplicidade do que somos e a urgência do que vivemos. O tempo não devolve abraços, não repete manhãs e não prolonga oportunidades. A vida é agora — e o agora é a única parte da eternidade que realmente nos pertence.
