Há lugares em que o vento sopra em sílabas.

Na passagem de Bakdaljae (박달재), entre os vales de Jecheon, o ar parece murmurar uma história antiga — um poema de amor e morte que atravessou séculos, sobre dois nomes que o tempo não apagou: Park Dal e Geumbong.

É ali, entre as árvores e o bronze, que repousa um dos mais comoventes episódios da dinastia Joseon (1392–1897), quando a Coreia ainda se movia ao ritmo dos ideais confucionistas e dos sonhos que o amor jamais deveria permitir.

O erudito e a donzela

Diz a lenda que, durante o reinado de Seonjo, um jovem estudioso chamado Park Dal viajava de Busan a Hanyang (atual Seul) para prestar o Gwageo, o exame que poderia lhe abrir as portas do serviço real.

No caminho, ao cair do sol, Park Dal pediu abrigo em uma casa da vila de Pyeongdong. Ali vivia uma jovem de alma delicada e olhar sereno chamada Geumbong. O instante em que seus olhos se cruzaram foi como a pausa de uma caligrafia perfeita — uma linha traçada pelo destino.

Ele viu nela a graça que nem os clássicos de Confúcio descreviam. Ela, nele, reconheceu a nobreza que não vinha da posição, mas da conduta. E assim, nas noites seguintes, sob o luar e o perfume das flores, os dois se encontraram em segredo.

Antes de partir, Park Dal prometeu voltar. E Geumbong prometeu esperar.

O tempo e a promessa

Na capital, Park Dal mergulhou nos estudos, mas o coração permaneceu em Pyeongdong. Nem o rigor dos mestres, nem o peso das provas, podiam afastar de sua mente o rosto de Geumbong. Certa noite, incapaz de conter a saudade, escreveu:

“A brisa da primavera toca o parapeito coberto de orvalho. 

Ao olhar as nuvens, vejo tuas roupas finas.

Uma flor molda teu rosto gracioso.

Se eu não puder te ver do alto da montanha,

virei a Pyeongdong numa noite de luar para te encontrar.”

Mas o tempo, esse escriba implacável, escreveu outra história.

A promessa foi ficando distante. E Geumbong, consumida pela espera, adoeceu. Morreu três dias antes de Park Dal voltar à vila.

O reflexo e o abismo

Quando Park Dal chegou, encontrou o portão fechado e o silêncio. Ao saber da morte de Geumbong, caiu de joelhos. Chorou até que o corpo se recusou a obedecer ao espírito. Durante dias, vagou pela colina, incapaz de aceitar o fim.

Então, certa noite, viu a silhueta dela no alto do morro — um reflexo na névoa, uma miragem na fronteira entre o sonho e o mundo.

Ele correu. Chamou seu nome. Estendeu os braços. Mas ao tentar tocá-la, o ar se abriu, e Park Dal caiu no abismo.

O pai de Geumbong, comovido, reuniu o corpo do jovem e o sepultou ao lado da filha, unindo-os como haviam prometido. Desde então, a montanha passou a se chamar Bakdaljae, o Desfiladeiro de Park Dal.

As esculturas do silêncio

Hoje, no Parque Memorial de Bakdaljae, três esculturas contam essa história sem palavras. A primeira mostra Park Dal tentando tocar o reflexo de Geumbong, uma figura feita de aço polido, contrastando com o bronze escuro do erudito.

É a ilusão final, a fronteira entre o mundo dos vivos e o dos mortos. O metal reflete o céu, e quem se aproxima vê o próprio rosto no lugar do espírito perdido: o visitante se torna parte da lenda.

A segunda escultura retrata o encontro e a promessa, o amor puro antes da tragédia. As mãos entrelaçadas, o olhar terno, a lua metálica ao fundo, tudo parece suspenso entre o ontem e o eterno.

A terceira, erguida sobre um pedestal com inscrições em hangul, mostra o casal lado a lado, em paz. Não é o amor terreno que se representa ali, mas o amor consagrado na eternidade, a junção de dois destinos que o tempo não pôde separar.

A escrita como memória

No pedestal do monumento, o texto gravado em hangul é uma elegia.

Ele diz:

“Quando o homem enfim retornou,

o portão estava fechado e o coração dela em silêncio.

Ao ver o monte onde repousava o amor de sua vida,

Park Dal chorou até que o mundo se dissolveu em lágrimas.

Então, sobre o cume enevoado, viu a figura de Geumbong.

Era um reflexo, uma ilusão,

mas para o coração, mais real que o próprio chão.

Ele correu para abraçá-la e desapareceu na neblina,

unindo-se a ela para sempre.

Desde então, aquele vale é chamado Bakdaljae,

e quem por ali passa sussurra:

“Que o amor verdadeiro, mesmo entre lágrimas, nunca morre.”

O Hangul e o coração

Publicar essa história no Dia do Hangul não é apenas uma homenagem à língua, mas ao que ela
representa: a capacidade humana de dar forma às emoções e preservar a alma de um povo através das palavras.

Criado em 1443 pelo rei Sejong, o Grande, o Hangul foi concebido para que “mesmo o homem mais simples pudesse aprender a escrever seus sentimentos”.

E é isso que vemos aqui: o idioma coreano transformando tragédia em beleza, dor em poesia, silêncio em lembrança. As letras gravadas nas esculturas de Bakdaljae não são apenas sinais fonéticos.

São símbolos da permanência, daquilo que a morte não levou. Assim como Park Dal e Geumbong, o Hangul sobreviveu a guerras, invasões e censuras, preservando o que é mais humano na Coreia: a sensibilidade de expressar o indizível.

Entre o bronze e o reflexo

As esculturas de Bakdaljae combinam bronze e aço polido, matéria e espírito, passado e presente. O bronze representa o corpo, o peso da realidade. O aço reflete o invisível, o além. E o observador, ao se ver no reflexo, completa a história.

Como o Hangul, essas obras nos lembram que a linguagem é o espelho do espírito. Que escrever é preservar. Que amar é lembrar.

E que, em cada sílaba gravada na pedra, vive a esperança de que o sentimento humano, mesmo trágico, pode ser belo, digno e eterno.

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