O ministro Alexandre de Moraes abriu a manhã desta terça-feira, 2 de dezembro, no 19º Encontro do
Poder Judiciário, em Florianópolis, com um discurso que misturou diagnóstico institucional, alerta e convocação. Ao participar do painel sobre as perspectivas do Judiciário, ele afirmou que o Brasil consolidou um dos sistemas judiciais mais fortes do mundo, e justamente por isso vive um período de ataques organizados, desinformação massiva e tentativas de erosão da confiança pública.

Com bom humor inicial, ao brincar com o tempo de fala dos colegas, Moraes rapidamente entrou no eixo central de sua intervenção: a necessidade de o Judiciário definir suas prioridades de forma clara para continuar servindo à sociedade. Ele relembrou que, há vinte anos, quando o CNJ foi criado, os ramos da Justiça sequer conheciam a realidade uns dos outros. Foi o Conselho, segundo ele, que aproximou magistrados estaduais, federais, trabalhistas e eleitorais, unificando a linguagem e criando uma visão de sistema que antes não existia.

A partir desse ponto, o ministro mudou o tom e passou a analisar o ambiente político–digital que transformou o Judiciário em alvo preferencial. Disse que não é coincidência: “Nós temos um Judiciário forte, e isso não passou despercebido de grupos econômicos, políticos e redes de influência que não aceitam igualdade e liberdade para todos”. Moraes citou o impacto das redes sociais, onde “qualquer influencer virou analista jurídico”, mesmo sem compreender a estrutura básica de um tribunal. Esses ataques, segundo ele, não são pontuais: integram um esforço internacional de deslegitimação de instituições democráticas, esforço que, no caso do Brasil, encontrou resistência justamente na solidez da magistratura de carreira.

O ministro contou ter participado recentemente do Encontro Mundial de Cortes Constitucionais, onde representantes de países tão distintos quanto Finlândia, Singapura e Canadá demonstraram conhecer, em detalhes, os ataques sofridos pelo STF e pela Justiça Eleitoral. “Hungria não resistiu. Polônia não resistiu. O Brasil resistiu”, resumiu.

A partir daí, Moraes organizou o debate em torno de três grandes frentes, que definiu como o “tripé da segurança”, institucional, jurídica e pública. Sem transformar isso em um elenco de tópicos, a fala costurou diagnósticos e propostas. Na dimensão institucional, ele defendeu abertamente a valorização da carreira da magistratura, afirmando que remuneração justa e progressão adequada não são privilégios corporativos, mas condições estruturais para a preservação da independência judicial. Criticou a derrubada do adicional por tempo de serviço e o achatamento salarial na aposentadoria, lembrando que essas políticas afastam talentos e fragilizam a construção de quadros qualificados.

Na segurança jurídica, Moraes adotou um tom de autocobrança. Disse que o Judiciário precisa respeitar seus próprios precedentes e que a instabilidade decisória é um dos maiores fatores da judicialização excessiva no país. A previsibilidade – explicou – é essencial para cidadãos, empresas, poder público e para o próprio sistema de justiça, que perde tempo e credibilidade cada vez que reabre debates já pacificados.

O ponto mais extenso e incisivo de sua fala, porém, tratou da segurança pública. Moraes afirmou que o Judiciário precisa se reposicionar diante da expansão do crime organizado, que opera de forma regional e internacional enquanto o sistema de Justiça ainda está preso a estruturas concebidas para a lógica municipal das comarcas do século XIX. Defendeu varas colegiadas e especializadas para crimes complexos, integração nacional de dados da Justiça Criminal, fortalecimento da inteligência penitenciária e atenção redobrada à infiltração das facções nas eleições municipais. Segundo ele, esse movimento já é visível em câmaras de vereadores e prefeituras menores, e pode, se não houver reação institucional, avançar para assembleias legislativas e até para o Congresso Nacional.

Moraes concluiu reforçando que o Judiciário é, antes de tudo, prestador de um serviço essencial, e que eficiência, coerência e prioridade são expectativas da sociedade. “Não podemos querer resolver todos os problemas do mundo”, disse, em um apelo por foco. E completou: “Garantir segurança jurídica, institucional e pública é o caminho para fortalecer nossa própria segurança enquanto poder”.

O ministro deixou clara a intenção de que o debate iniciado no encontro se desdobre nos tribunais, nas corregedorias e no próprio CNJ, influenciando decisões estruturantes nos próximos anos.

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