O Poder Judiciário brasileiro abriu, na tarde desta segunda-feira, a programação do 19º Encontro do Poder Judiciário, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Florianópolis. Representantes de tribunais de todo o país participam do evento, que se estende até amanhã e reúne algumas das mais influentes vozes do universo jurídico nacional, incluindo o Ministro Edson Fachin, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ; a Ministra Cármen Lúcia; o Ministro Alexandre de Moraes, vice-presidente do STF; e a ex-Ministra Ellen Gracie, primeira mulher a compor a Suprema Corte.
A abertura dos trabalhos foi marcada por um movimento claro: o Judiciário está disposto a revisitar a própria razão de existir, questionando suas métricas de sucesso e seu papel num país que, nas últimas décadas, passou a recorrer ao sistema de Justiça para solucionar desde litígios familiares corriqueiros até impasses políticos de alta complexidade.
O propósito como ponto de partida
A Desembargadora Tais S. Ferraz, do TRF4, inaugurou o debate com uma provocação central ao evento:
“Em que o mundo seria diferente se o Poder Judiciário não existisse?”
A partir dessa pergunta, ela destacou que missão, visão e valores — embora importantes — não capturam integralmente o propósito profundo do sistema de Justiça, algo que vai além da produtividade e da celeridade.
“Celeridade não faz parte do propósito. Julgar mais rápido sempre foi uma cobrança, mas propósito é muito mais do que isso”, afirmou. Em sua avaliação, a sociedade brasileira tornou-se “excessivamente dependente” de soluções judiciais, desde disputas domésticas até a reversão de derrotas parlamentares por meio de ações no Supremo.
Para Ferraz, essa hiperdependência não é um indicador de saúde institucional:
“É lógico que sempre seremos necessários, mas talvez não precisássemos ser tão necessários.”
Ela ainda introduziu o conceito de defuturing — a ideia de avaliar quais futuros o país deixa de construir quando insiste em determinados padrões institucionais.
Do quantitativo ao qualitativo: o salto estrutural
O conselheiro do CNJ, Alexandre Teixeira, juiz do trabalho do TRT da 1ª Região, reforçou que o encontro deve marcar um ponto de virada. Ele reconheceu os avanços dos últimos 20 anos, impulsionados pelo Justiça em Números, mas enfatizou a necessidade de novas abordagens:
“Estamos diante de uma oportunidade ímpar de dar um passo quântico no aprimoramento da prestação jurisdicional.”
Segundo Teixeira, o desafio não é abandonar métricas, mas abrir espaço para outras luzes, capazes de revelar aspectos qualitativos da jurisdição, hoje invisíveis nos instrumentos estatísticos tradicionais.
“O Judiciário produz algo que nenhum outro ator social pode produzir: interferimos diretamente na vida das pessoas para solucionar conflitos. Isso é muito sério. Temos que fazer não só muito, mas muito melhor”, disse.
Indicadores que enxergam o invisível
A Desembargadora Raquel Barofaldi Bueno, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, aprofundou essa visão ao distinguir com precisão técnica dois conceitos essenciais: indicadores e metas. Indicadores descrevem o que existe; metas apontam para onde a instituição deseja ir.
Barofaldi enfatizou que o encontro não busca criar novas cobranças, mas dar visibilidade ao trabalho que o Judiciário já realiza, mas que hoje não aparece:
– gestão de pessoas;
– gestão de processos;
– iniciativas de humanização;
– cuidado interno com magistrados e servidores;
– e, sobretudo, a efetividade real das decisões, não apenas o número delas.
“Esta oficina nos convoca a pensar novos caminhos que integrem quantidade e qualidade, produtividade e impacto, eficiência e propósito”, destacou.
Para ela, cada nova percepção construída no encontro é “um tijolo a mais” na redefinição do futuro do Judiciário.
Metodologias contemporâneas para desafios contemporâneos
As atividades desta tarde se estruturaram em oficinas baseadas em design thinking, distribuídas em três frentes:
1. Identificar dimensões da atividade judicial ainda não documentadas
2. Captar sinais de impacto social produzidos pela jurisdição
3. Propor indicadores que reflitam a diversidade do país
O trabalho deverá ser sistematizado e apresentado ainda hoje, compondo insumos para o próximo plano estratégico do Judiciário brasileiro.
Um Judiciário em transição
A abertura do 19º Encontro revelou que o Judiciário brasileiro vive nova encruzilhada histórica. Assim como ocorreu com a criação do CNJ, com as primeiras metas nacionais e com a consolidação das políticas judiciárias, agora o desafio é outro: recolocar o propósito institucional no centro da agenda.
O evento segue até amanhã com painéis e palestras que reúnem algumas das mais influentes autoridades do sistema de Justiça. O primeiro dia demonstrou que o debate sobre propósito, impacto e futuro deverá ser a marca desta edição.

