FLORIANÓPOLIS: No palco do 19º Encontro do Poder Judiciário, o presidente do TST, ministro Luiz
Philippe Vieira de Mello Filho, e a presidente do STM, ministra Maria Elizabeth Rocha, apresentaram leituras que, embora vindas de ramos distintos, convergiram para uma mesma inquietação: um país em rápida transformação exige um Judiciário que saiba combinar eficiência, sensibilidade social e coragem institucional.
Ambos falaram de inovação, mas nenhum deles a tratou como fetiche tecnológico. Para Vieira de Mello Filho, o futuro passa pela capacidade da Justiça do Trabalho de compreender as mudanças profundas do mundo do trabalho sem perder de vista o que permanece essencial: o trabalho humano como fundamento da dignidade e da cidadania. Para Elizabeth Rocha, inovar significa abrir espaço para quem historicamente não foi ouvido — e ela deixou claro que equidade racial, gênero e inclusão deixaram de ser “temas paralelos” para se tornarem eixo de gestão.
Quando o presidente do TST alertou que o país vive uma migração acelerada para formas precarizadas de ocupação — pejotização, plataformização, contratos híbridos — e que isso ameaça não só o trabalhador, mas também o sistema previdenciário e, por consequência, as próximas gerações, a presidente do STM ofereceu um contraponto complementar. Se a Justiça do Trabalho tenta enfrentar as fraturas sociais produzidas pela economia contemporânea, a Justiça Militar busca enfrentar as fraturas produzidas pela própria história brasileira: desigualdade racial, invisibilidade feminina e exclusão de grupos marginalizados.
Os dois discursos se encontraram justamente nesse ponto: um Judiciário que não pode se limitar a aplicar normas como se elas existissem no vácuo. Vieira de Mello Filho falou de um país onde milhões buscam sustento em arranjos frágeis, sem rede de proteção, enquanto Elizabeth Rocha lembrou que instituições sólidas não se sustentam quando partes inteiras da população continuam ausentes dos espaços de decisão. Um fala da erosão das relações de trabalho; a outra, da necessidade de reconstruir a representatividade dentro do próprio Estado. É a mesma batalha, vista por janelas diferentes.
A ministra citou com orgulho o Observatório Pró-Equidade — um espaço de escuta que rendeu ao STM o reconhecimento nacional por ações concretas de diversidade racial. O ministro, por sua vez, destacou a criação do Observatório do Trabalho Decente, concebido para compreender um cenário em que 4,8 milhões de brasileiros deixaram a CLT em apenas dois anos, a maioria ganhando menos e contribuindo menos para a Previdência. De um lado, a equidade como política pública; de outro, o trabalho decente como valor civilizatório. Posições distintas, mas unidas por um mesmo argumento silencioso: não existe cidadania sem estruturas que protejam os vulneráveis.
Os dois também defenderam a necessidade de aproximar o Judiciário da vida real — seja pela interiorização da Justiça do Trabalho na Amazônia, seja pelos programas de diálogo global e ações educativas da Justiça Militar. Quando Vieira de Mello Filho diz que “não há justiça sem cidadania”, encontra eco na fala da ministra ao afirmar que “cuidar das pessoas também é fazer justiça”. Ambos rejeitam a visão de um Judiciário hermético, blindado da sociedade. O que propõem é o contrário: tribunais que se abram, escutem, se adaptem e devolvam em forma de política pública o que captam do país.
Até no campo tecnológico as falas se cruzaram. O TST reafirmou que a inteligência artificial deve ser ferramenta segura, ética e, sobretudo, limitada — com proteção rigorosa contra o uso privado de dados sensíveis. O STM, por sua vez, mostrou que segurança digital é antes de tudo comportamento humano e formação, não apenas software. A mensagem conjunta é nítida: tecnologia importa, mas responsabilidade importa mais.
No fim, o que os dois tribunais colocaram sobre a mesa foi menos um balanço administrativo e mais um retrato do Brasil de agora. Um país onde o trabalho mudou mais rápido do que as leis, onde a desigualdade se reproduz mesmo dentro das instituições, onde a inteligência artificial promete milagres, mas exige vigilância, e onde o Judiciário — pressionado por demandas urgentes — precisa fazer escolhas que serão sentidas por décadas.
E, embora falassem de realidades distintas, o ministro do TST e a ministra do STM terminaram descrevendo o mesmo horizonte: um Judiciário que se reconheça como agente social, capaz de proteger pessoas, equilibrar forças, ouvir vulneráveis e responder com humanidade a um mundo que muda todos os dias. Um Judiciário que, enfim, precisa ser tão moderno quanto justo — e tão justo quanto necessário.

