Ao observarmos a história do Taekwondo, percebemos que ele se estruturou em três grandes vertentes modernas: a ITF, liderada pelo General Choi Hong Hi e sistematizada com o apoio de mestres como Nam Tae Hi; o Kukki Taekwondo (erroneamente chamado de taekwondo WT), nascido da unificação dos kwans e projetado ao mundo por figuras como Kim Un Yong, Park Hae Man e Lee Chong Woo; e o Songahm Taekwondo, construído pela visão pedagógica e organizacional do Eternal Grand Master Haeng Ung Lee, que junto a líderes como Richard Reed, William Clark e Robert Allemier, criou uma metodologia única e expansiva.
Desses troncos principais surgiram inúmeras escolas, federações e denominações. Mas, ao olharmos com radicalidade histórica, percebemos que a maioria delas é desdobramento ou reação a um desses três eixos. O que se desenha, portanto, é uma árvore de ramificações diversas, mas com raízes comuns, que brotam da Coreia do pós-guerra e se espalham pelo planeta. Negar a ligação entre essas três vertentes é ofender a intelectualidade.
Setenta anos depois daquele abril de 1955, quando o nome Taekwondo foi formalmente proclamado, é impossível mensurar com absoluta precisão quantos praticantes existem no mundo. As estimativas variam, mas se falarmos em dezenas de milhões, não estaremos exagerando. Há quem cite 60 a 70 milhões de praticantes ativos em mais de 200 países, um alcance comparável a poucas modalidades esportivas globais. Ainda mais impressionante: o Taekwondo é uma das artes marciais que mais conseguiu dialogar com diferentes culturas, preservando símbolos coreanos (a bandeira, o idioma, a etiqueta) ao mesmo tempo em que se adaptava às realidades locais. Uma arte marcial pensada e saída do que vou chamar de gueto marcial, tamanha a singularidade e simplicidade da Coreia do Sul das décadas de 1950 e 1960.
Essa difusão não aconteceu por acaso. O Taekwondo foi a primeira commodity cultural da Coreia para o mundo. Antes do K-pop, dos doramas, do cinema premiado em Cannes ou do sucesso global de plataformas digitais coreanas, o que primeiro cruzou oceanos e fronteiras, representando o espírito do país, foi a prática do Taekwondo. Uma geração de mestres se espalhou em missões quase diplomáticas, levando não apenas chutes e socos, mas também valores de disciplina, respeito e perseverança.
Hoje, ao falarmos de hallyu (a onda cultural coreana), é comum pensarmos em BTS, Parasita ou Squid Game, Samsung e Hyundai. Mas muito antes dessas expressões, os tatames do mundo já ecoavam comandos em coreano: charyot, kyong-rye, shi-jak. O Taekwondo foi o embrião da diplomacia cultural sul-coreana, um laboratório bem-sucedido que mostrou ao país que era possível conquistar corações e mentes não pela guerra, mas pela cultura. Um ponto paradoxal, o mundo se abriu para a Coreia do Sul, talvez seja preciso um esforço, nestes tempos, para a Coreia do Sul também se abrir para o mundo. Com o fascínio global, é preciso que o país e a sociedade estejam preparados para receber a heterogeneidade de seus fãs.
Essa história, 70 anos depois, nos convida a refletir: o Taekwondo não é apenas um esporte olímpico ou uma arte marcial. Ele é um patrimônio cultural vivo, praticado por crianças, jovens e adultos em todos os continentes. Ele sobreviveu a divisões políticas, à globalização acelerada e às mudanças de paradigma das sociedades. E segue, firme, como um dos maiores legados da Coreia moderna ao mundo.
